terça-feira, 7 de julho de 2020

ENSINANDO UMA ADOLESCENTE AUTISTA A ANDAR NA RUA COM SEGURANÇA



Pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) podem ter dificuldades com conceitos abstratos. Assim, a ideia de "perigo" pode ser difícil de ensinar, em alguns casos. No exemplo citado no livro How to live with autism and Asperger syndrome (título, em português: Convivendo com autismo e síndrome de Asperger - estratégias práticas para pais e profissionais), pais de uma adolescente autista de 15 anos a ensinam a evitar o perigo do trânsito, na rua, através de uma estratégia em três estágios:
Quando ela se aproximava da borda da calçada, os pais diziam:
- Pare, não saia da calçada! É perigoso!
Num segundo estágio, passado algum tempo, os pais diziam somente:
- Pare!
E, depois, perguntavam:
- O que vou dizer agora?
Inicialmente, a criança dizia:
- Não sei.
Neste caso, os pais voltavam ao estágio anterior e falavam:
- Não saia da calçada! É perigoso!
Entretanto, após algumas semanas, a menina passou a dizer, espontaneamente:
-Não saia da calçada! É perigoso!
E os pais elogiavam:
- Muito bem!
No estágio seguinte, os pais não diziam nada, apenas paravam do lado dela e a olhavam nos olhos. Das primeiras vezes, ela disse:
- O quê?
Aí, os pais voltavam para o estágio anterior e diziam:
-O que vamos dizer, agora?
Aí, ela respondia que eles diriam para não sair da calçada, pois era perigoso - e eles a elogiavam.



Referência: Convivendo com autismo e síndrome de Asperger - estratégias práticas para pais e profissionais, Chris Williams e Barry Wright   https://www.amazon.com.br/Convivendo-com-Autismo-S%C3%ADndrome-Asperger/dp/8576800381 (link acessado em 07/07/2020)

Imagem: By MissLunaRose12 - Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=81328701


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

TERAPIA COMPORTAMENTAL, COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E TERAPIA DE ACEITAÇÃO E COMPROMISSO (ACT)- SEGUNDA PARTE: TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL OU "TCC"



Na TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL, parte-se do princípio de que certos estímulos do ambiente (nisto se inclui não apenas o ambiente natural, porém pessoas, doenças, mudanças, viagens, provas acadêmicas - e tudo o que pode influenciar o comportamento do cliente, de alguma forma) desencadeiam pensamentos, muitas vezes automáticos e que passam despercebidos. Estes pensamentos, por sua vez, desencadeiam sentimentos e estes sentimentos são os que fazem a pessoa sofrer. Por trás destes pensamentos, há CRENÇAS centrais ou nucleares. Por exemplo, o namorado de uma pessoa faz uma crítica, que desencadeia um pensamento tipo "ele não gosta de mim", que faz a pessoa se sentir angustiada. Por trás deste pensamento, por sua vez, pode existir uma CRENÇA CENTRAL ou NUCLEAR do(a) cliente, de que tem alguma característica negativa (apenas como exemplo, que é feia, ou "chata" ou "burra") e que, por isto, ninguém vai amá-la. Na terapia cognitivo-comportamental se ajuda a pessoa a desenvolver um diálogo consigo mesma, de modo que ela conteste seus pensamentos automáticos ou seja, não os tome como verdade absoluta. Por exemplo, cada vez que aparecer um pensamento de "ele não gosta de mim" apenas porque foi criticada, ela se pergunta: "quais são as evidências de que, por me criticar, realmente não gosta de mim?" Muitas vezes, a pessoa percebe que tem uma tendência de tirar conclusões negativas com excessiva frequência e, através deste diálogo consigo mesma, aprende a distinguir, das situações que realmente têm uma conotação negativa, aquelas nas quais estava tirando conclusões exageradas e injustificadamente pessimistas. Submetendo seus pensamentos negativos a estas análises, é possível diminuir o sofrimento e, também, descobrir, aos poucos, quais as CRENÇAS nucleares por trás de seus pensamentos. A terapia não se atém aos pensamentos, apenas, mas, como na terapia comportamental, procura planejar com a pessoa soluções viáveis para seus problemas. O terapeuta usa preferencialmente a capacidade de raciocínio do(a) próprio(a) cliente, desenvolvendo a capacidade de a pessoa, aos poucos, resolver seus problemas sozinha e se tornar progressivamente mais independente. Assim, menos do que afirmações, o que o terapeuta mais faz são perguntas que ajudem o(a) cliente a entender melhor o que ocorre e tirar suas próprias conclusões e sugerir soluções.

Na figura do início da postagem, alguns dos vieses cognitivos comuns que levam ao sofrimento: ABSTRAÇÃO SELETIVA (selective abstraction) - tirar conclusões com base em apenas um dos muitos elementos de uma situação (como no exemplo da pessoa que conclui que o namorado não gosta dela apenas porque a criticou, uma vez). MINIMIZAÇÃO (minimisation): desvalorizar a importância de um pensamento, emoção ou evento positivo. PERSONALIZAÇÃO (personalisation) atribuir-se a responsabilidade por eventos que não estão sob o controle de uma pessoa. INFERÊNCIA ARBITRÁRIA (arbitrary inference) tirar conclusões quando há pouca ou nenhuma evidência. MAGNIFICAÇÃO (magnification) dar importância desproporcionalmente grande a eventos. SUPERGENERALIZAÇÃO (overgeneralisation) tirar grandes conclusões com base em eventos isolados.


Imagem (atribuição): LoudLizard [CC BY-SA (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0)]

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

TERAPIA COMPORTAMENTAL, COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E TERAPIA DE ACEITAÇÃO E COMPROMISSO (ACT) - PRIMEIRA PARTE: TERAPIA COMPORTAMENTAL




Já houve épocas em que, no meio psicoterapêutico, havia muito preconceito contra a TERAPIA COMPORTAMENTAL. Como ela, em parte, é baseada em estudos em animais, quem não conhecia o modelo muitas vezes achava que, na TERAPIA COMPORTAMENTAL, havia uma "super-simplificação", na qual o funcionamento das pessoas era considerado igual ao de pombos ou cobaias. Outro responsável pela má fama da TERAPIA COMPORTAMENTAL era o fato de que alguns dos experimentos com animais envolvem estímulos punitivos e que, realmente, em épocas passadas, alguns terapeutas os utilizavam em seus pacientes.

Entretanto, quando se usa a TERAPIA COMPORTAMENTAL, o terapeuta faz uma análise da interação do(a) cliente com seu meio-ambiente ("meio-ambiente" não se refere apenas ao ambiente "natural", mas a todos os estímulos externos como, por exemplo, os que vêm de outras pessoas -na forma dos atos destas - e que afetam o/a cliente). Parte-se do princípio de que todo comportamento se origina, em algum momento, na história da vida da pessoa, de sua interação com outras pessoas e o mundo, de forma geral. Através da análise destas interações, procura-se entender o comportamento do(a) cliente e a origem das queixas que o(a) ao consultório. Com base na observação do(a) cliente e nos seus relatos, procura se identificar o que desencadeia suas respostas ("comportamentos") e o que mantém estas respostas. Apenas como exemplo, um tipo muito comum de situação é aquela na qual a pessoa tem algum problema de relacionamento com alguém e traz seu sofrimento ao terapeuta. Muitas vezes, o(a) cliente evita confrontar quem o(a) faz sofrer, com medo das consequências (por exemplo, a possibilidade de perder o amor da outra pessoa). Assim, cada vez que há (novamente, só como exemplo) uma briga, o(a) cliente concorda com o que a outra quer, mesmo a contragosto. Como, em função disto, ela(e) pode realmente evitar alguma punição, esta atitude acaba mantendo o comportamento dela e ela continua sempre concordando - e sofrendo. Após a análise das DIVERSAS (raramente é uma só...) situações que fazem a pessoa sofrer, junto com o terapeuta ajuda a pessoa a elaborar propostas de lidar com os problemas de formas novas - e que possam diminuir o sofrimento e aumentar o bem-estar. O terapeuta usa preferencialmente a capacidade de raciocínio e observação do(a) próprio(a) cliente, evitando, assim, induzir comportamentos e desenvolvendo a capacidade de a pessoa, aos poucos, resolver seus problemas sozinha e se tornar progressivamente mais independente. Assim, menos do que afirmações, o que o terapeuta mais faz são perguntas que ajudem o(a) cliente a entender melhor o que ocorre e tirar suas próprias conclusões e sugerir soluções.

Imagem: Habilidades interpessoais  By Ninaballerina701 - Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15282852


domingo, 2 de fevereiro de 2020

PSICOSE E NEUROSE - SEGUNDA PARTE: NEUROSE




“Neurose” é definida pela Wikipédia em português como “qualquer transtorno mental que, embora cause tensão, não interfere no pensamento racional ou na capacidade funcional da pessoa”. Esta definição é bem ruim porque, indubitavelmente, quadros mais graves de neurose interferem – e muito – na capacidade funcional da pessoa. Indivíduos com neurose compulsiva (atualmente chamada de “transtorno obsessivo-compulsivo”) podem passar longos períodos realizando rituais, ao invés de se ocuparem de outras atividades e neuroses fóbicas podem impedir as pessoas de se socializar ou até de sair de casa.
O termo neurose teria sido usado pela primeira vez pelo médico escocês Cullen; Em seu livro de 1769, incluía todo tipo de transtornos neurológicos, psicossomáticos, neuróticos e psicóticos. Pinel (1745-1826), médico francês muito conhecido por suas grandes ações no sentido de humanizar o tratamento dos doentes mentais, incluiu as neuroses na sua classificação de doenças. Em seu entender, as neuroses não eram apenas doenças do sistema nervoso, porém também “morais” (uma possível explicação para o uso deste termo seria a referência a perturbações mentais que afetavam tanto aspectos emotivos quanto faculdades morais). Freud, criador da psicanálise, considerou as neuroses como sendo devidas, em última instância, a desejos sexuais reprimidos. Agrupavam-se sob o conceito de neuroses uma série de transtornos como paralisias ou alterações de sentido sem causa neurológica (neurose histérica), comportamentos caracterizados por rituais repetidos que a pessoa se sente compelida a fazer (neurose compulsiva) ou medos desproporcionais ou absurdos (neurose fóbica).  Freud fala também de uma estrutura neurótica esquizoide, onde haveria resistência à intimidade e tendências à desconfiança. Apesar de algumas ideias de Freud como, por exemplo, nossas ações se originarem fora da consciência, poderem ter base científica, o grosso da teoria freudiana não pode ser cientificamente testado e não há evidências de que as neuroses tenham como causa última desejos sexuais reprimidos. Em 1968, a segunda edição do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana considerou que o sintoma principal das neuroses era a ansiedade e, assim, elas passaram a equivaler aos transtornos ansiosos. Entretanto, isto vem mudando ao longo do tempo e, atualmente, a Associação Psiquiátrica Americana, por exemplo, considera-se que o transtorno obsessivo-compulsivo (que seria o equivalente à neurose compulsiva de Freud) não é um transtorno ansioso típico, apesar de ter um componente importante de ansiedade, pois possui mais pontos em comum com transtornos caracterizados por comportamentos compulsivos e repetitivos como, por exemplo, o transtorno de acumulação.
Em função de todos estes problemas e imprecisões, o uso do termo "neurose" tem sido evitado, na Psiquiatria moderna.

Imagem: Menina sofrendo de ansiedade. By Bablekan, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=17572463

sábado, 1 de fevereiro de 2020

PSICOSE E NEUROSE - PRIMEIRA PARTE: PSICOSE





Segundo a Wikipédia, psicose é “uma perturbação da mente que causa dificuldades em determinar o que é ou não real”. Pode-se dizer que psicose é o termo técnico que mais se aproxima do que, popularmente, se chama de “loucura”. Pessoas com psicoses podem ter alucinações (visualizar, ouvir ou sentir sem correspondência direta com estímulos no ambiente), delírios (pensamentos sem base comprovada, geralmente relacionados à própria pessoa, tais como ideias de grandeza ou perseguição) e comportamentos grosseiramente alterados (tais como agitação ou movimentos ou posturas bizarros). E, de modo mais preciso, não se trata apenas de uma “dificuldade” de determinar o que é ou não real, mas sim de uma incapacidade. O delirante está totalmente convicto de seu delírio e todo o raciocínio dele se torna “escravo” dos pensamentos delirantes. Uma vez atendi o caso de uma pessoa (história alterada para evitar reconhecimento) que subitamente passou a acreditar que uma cidade havia sido suprimida do mapa. Mostrando-lhe o mapa, dizia que estava errado. Quando foi perguntado qual o motivo do desaparecimento, disse que era uma forma de seus amigos lhe mostrarem que precisava ficar mais atento às notícias de jornais, pois raramente os lia. Foi perguntado, então, o que a convenceria de que a cidade não desapareceu. Disse que, se ela aparecesse no noticiário de um grande jornal, acreditaria. Assim, o jornal foi providenciado e, momentaneamente, a pessoa aceitou que a cidade continuava a existir. Dia seguinte, voltou a afirmar que as pessoas que a queriam enganar conseguiram envolver também o jornal. Sintomas psicóticos ocorrem nos quadros de esquizofrenia (frequentemente associados a alucinações e comportamentos bizarros), transtorno delirante (caracterizado basicamente pelos delírios, sem a presença significativa de alucinações), assim como na depressão psicótica, na mania psicótica do transtorno bipolar e no transtorno esquizo-afetivo, um quadro com intermediário entre a esquizofrenia e os transtornos do humor (depressão e transtorno bipolar). 

Imagem: Far Vincent van Gogh - bgEuwDxel93-Pg at Google Cultural Institute, zoom level maximum, Publika havaĵo, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=25498286



sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

PSIQUIATRA, PSICÓLOGO, PSICOTERAPEUTA OU PSICANALISTA?




Não é raro que pessoas perguntem, na internet, qual destes profissionais devem procurar. Mesmo aquelas que já iniciaram o tratamento, por vezes, não sabem como classificar o(a) profissional que as está atendendo.

De modo simplificado, as categorias são as seguintes:

PSIQUIATRAS são médicos (portanto fizeram seis anos de faculdade de Medicina) que se especializaram na área de transtornos mentais, através de treinamento em regime de residência ou através de estágios de especialização, num período de dois a quatro anos. Ou seja, um psiquiatra demora algo entre oito a dez anos para se formar. O aprendizado obrigatório para o psiquiatra é saber diagnosticar os diversos transtornos psiquiátricos (por exemplo, depressões, transtorno bipolar, TOC, transtornos de ansiedade, esquizofrenia). Ao psiquiatra é permitido prescrever medicações, pois teve formação em farmacologia, a disciplina que ensina a ação das várias medicações.

PSICÓLOGOS são profissionais formados em faculdades de Psicologia, geralmente com duração de cinco anos. Uma vez formados, podem se dedicar a várias atividades, geralmente ensino e pesquisa ou Psicologia Clínica. São os que exercem Psicologia Clínica que também tratam pacientes com transtornos mentais. Não podem prescrever medicações, mas sabem fazer intervenções muito importantes, na forma de psicoterapias.

PSICOTERAPEUTAS são todos os profissionais (quase sempre psiquiatras ou psicólogos) que tratam pessoas através de psicoterapias. Psicoterapias são intervenções que procuram, através da comunicação, ajudar as pessoas a resolver seus problemas emocionais e comportamentais. Esta comunicação ocorre principalmente através da fala: o(a) paciente traz os problemas que o(a) incomodam, o psicoterapeuta analisa estes problemas e, juntos, procuram resolvê-los. A psicoterapia, muitas vezes, também leva a um melhor auto-conhecimento. Há muitas linhas de psicoterapia como, por exemplo, terapia comportamental, terapia cognitivo-comportamental, terapia de aceitação e compromisso, psicologia analítica, psicodrama e psicanálise.

PSICANALISTAS são os psicoterapeutas que se especializaram em psicoterapias baseadas nas ideias de Freud sobre as motivações inconscientes dos comportamentos, as quais se tenta descobrir e, através deste auto-conhecimento, melhorar a qualidade de vida do(a) cliente.

Na postagem de amanhã, vou falar um pouco sobre alguns tipos de psicoterapia.


Imagem, no início da postagem: Cérebro com esquematização (em vermelho) do sistema límbico, relacionado às emoções. By Nathanael Bar-Aur L. - adaptation of Brain limbicsystem.jpg without labels, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=11903367


quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

POR QUE A DEPRESSÃO FAZ SOFRER? (2)


Pessoas com depressão grave perdem o prazer em fazer tudo ou quase tudo de que gostavam, antes de depressão. Pessoas que gostavam de encontrar amigos, não querem mais; as que gostavam de ler, não sentem mais prazer na leitura; as que “curtiam” cinema, perdem o interesse pelos filmes: e assim por diante. Além da perda do prazer, um desânimo, uma dificuldade para dar início às suas atividades também é uma queixa frequente.
Panksepp, com base em suas pesquisas, aventou a hipótese de que dois dos sete sistemas afetivos (veja na postagem anterior) seriam os mais prováveis e importantes candidatos como causa do sofrimento, na depressão (apesar de que VÁRIOS sistemas podem ser afetados): o sistema de PÂNICO/LUTO e o sistema de PROCURA. O sistema de PÂNICO/LUTO (ou simplesmente sistema de LUTO) seria muito sensível a perdas sociais (de entes queridos) o que, sabidamente, pode ser desencadeante de quadros depressivos. Também problemas no vínculo do filhote com a mãe podem predispor: as pesquisas eticamente lamentáveis de separação de filhotes de macaco de suas mães e estudos de estimulação elétrica destes sistemas em cobaias são alguns dos embasamentos desta hipótese. Por sua vez, a diminuição da atividade neste sistema poderia, segundo experimentos, desencadear uma diminuição da atividade do sistema de PROCURA, o que traria o desânimo e aumentaria o sofrimento. Com base neste modelo, também estaria explicado por que substâncias estimulantes têm efeito antidepressivo. Além disto, possivelmente, os antidepressivos têm como um dos mecanismos de ação o aumento da atividade do sistema de PROCURA como ocorre, por exemplo, em outro experimento eticamente condenável: pôr ratinhos a nadar numa “piscina” e, cada vez que se aproximam da borda, são jogados de volta na água. Após muitas tentativas, os ratinhos desistem e, se não forem retirados, morrem afogados. O uso de antidepressivos aumenta significativamente o número de vezes em que os ratinhos continuarão tentando atingir a borda.




Ilustração: o resultado cruel de separar filhotes de macaco de suas mães. O filhote fica intensamente deprimido e se apega a um bicho de pelúcia. Filhotes chegavam a deixar de comer, se tivessem a opção de escolher um alimentador ou algo peludo a que se pudessem apegar. Estes experimentos foram feitos por Harry Harlow, pesquisador americano, na década de 50 e ainda hoje, há laboratórios que os fazem.


Referências:
Arling GL, Harlow HF.      Effects of social deprivation on maternal behavior of rhesus monkeys. Comp Physiol Psychol. 1967 Dec;64(3):371-7. No abstract available.

Herman BH, Panksepp J.    Ascending endorphin inhibition of distress vocalization. Science. 1981 Mar 6;211(4486):1060-2

Panksepp J   Affective neuroscience of the emotional BrainMind: evolutionary perspectives and implications for understanding depression.    Dialogues Clin Neurosci 2010. PMID 21319497 Free PMC   https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3181986/pdf/DialoguesClinNeurosci-12-533.pdf (acessado em 28/01/2020)

Panksepp J, Biven L    The archaeology of mind - neuroevolutionary origins of human emotions. Norton series on interpersonal neurobiology (2012)  - kindle edition (2020)

Simbi CMC, Zhang Y, Wang Z.   Early parental loss in childhood and depression in adults: A systematic review and meta-analysis of case-controlled studies.  J Affect Disord. 2020 Jan 1;260:272-280. doi: 10.1016/j.jad.2019.07.087. Epub 2019 Jul 30. Review.  PMID: 31521863

Thiébot MH, Martin P, Puech AJ.   Animal behavioural studies in the evaluation of antidepressant drugs. Br J Psychiatry Suppl. 1992 Feb;(15):44-50. Review

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

POR QUE A DEPRESSÃO FAZ SOFRER? (1)


Ninguém sabe, ainda, quais são as causas exatas da depressão. Assim, há vários modelos que tentam explicar o que ocorre que leva a pessoa a ficar deprimida. Um dos modelos mais interessantes é o desenvolvido por Jaak Panksepp, um neurocientista de origem estoniana. Com base, principalmente, em estudos com animais (mas, também utilizando dados de seres humanos), Panksepp postulou a existência de sete sistemas relacionados à emoção, tanto no ser humano quanto em outros mamíferos (e aves também apresentam várias semelhanças). Os sistemas (traduzindo do inglês) seriam: PROCURA, RAIVA, MEDO, PRAZER, CUIDADOS, LUTO e LÚDICO. O sistema de procura é ativado quando há sinais de que "vale a pena" se aproximar de algo importante. Por exemplo, a visão de alimento pode acioná-lo e fazer o indivíduo movimentar-se na direção do alimento e ter todos os comportamentos que findam quando a pessoa consegue se alimentar. O sistema de RAIVA é acionado quando há restrição de movimentos ou frustração. MEDO é acionado quando há sinais de perigo. PRAZER é acionado ao final de atividades desencadeadas pelo sistema de PROCURA e bem sucedidas. Por exemplo, quando a pessoa está mastigando o alimento ou quando realiza ato sexual. O sistema de CUIDADOS é o que mantém a mãe (animais e humanos) cuidando dos filhotes. Ele possivelmente está envolvido também na nossa capacidade de cuidar uns dos outros. O sistema de LUTO é ativado por perdas importantes, como a perda de pessoas queridas, como exemplo. E, finalmente, o sistema LÚDICO é ativado, por exemplo, quando o filhote (ou a criança) está brincando.

Na postagem de amanhã vamos ver como é possível que o comprometimento destes sistemas leve ao sofrimento da depressão.



Imagem: Representação esquemática do cérebro. O sistema límbico (amarelo) é o mais diretamente relacionado às emoções.




Referências:

Panksepp J   Affective neuroscience of the emotional BrainMind: evolutionary perspectives and implications for understanding depression.    Dialogues Clin Neurosci 2010. PMID 21319497 Free PMC   https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3181986/pdf/DialoguesClinNeurosci-12-533.pdf (acessado em 28/01/2020)

Panksepp J, Biven L    The archaeology of mind - neuroevolutionary origins of human emotions. Norton series on interpersonal neurobiology (2012)  - kindle edition (2020)

Imagem: Hunhori   The triune brain   https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a8/Triune_brain.png

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

DEPRESSÃO RESISTENTE AO TRATAMENTO

Atualmente, quando se inicia um tratamento antidepressivo, existem algumas medicações consideradas de primeira linha, por oferecerem bons resultados, associados a relativamente poucos efeitos colaterais. Os mais usados são os inibidores seletivos de recaptura de serotonina (ISRS), mas também há outros que podem ser usados, com mecanismos diferente de ação como, por exemplo, a bupropiona, que atua sobre a dopamina e a noradrenalina. Entretanto, por volta de 40% (as estatísticas variam um pouco) dos casos de depressão não respondem ao primeiro tratamento usado. Para estas pessoas, existe uma série de opções, tais como associação de vários antidepressivos, uso de antidepressivos duais (que atuam sobre mais de um tipo de neurotransmissor) e associação com estabilizadores de humor. Existem também possibilidades menos comprovadas, quando em uso isolado, porém que podem ser associadas ao antidepressivo, sendo o principal exemplo a estimulação magnética transcraniana (EMT). O uso da esquetamina consiste da aplicação endovenosa desta substância o que, em alguns casos, pode trazer uma melhora quase imediata. Para os casos mais graves, finalmente, há muito tempo são comprovados os antidepressivos tricíclicos, os inibidores de monoamino-oxidase e a eletroconvulsoterapia (ECT). Na ECT, aplica-se uma corrente elétrica de, no máximo, poucos segundos ao crânio do paciente, o que leva a alterações cerebrais semelhantes às causadas pelas medicações. Há muito preconceito contra a ECT, mas ela é um tratamento moderno e seguro, feito sob anestesia e cuidadoso controle de todos os parâmetros antes, durante e após a aplicação: eletrocardiograma, oximetria, eletroencefalograma, pressão arterial e frequência cardíaca. Seus principais efeitos colaterais são dificuldades de memória, que geralmente desaparecem no dia seguinte ao da aplicação e dor de cabeça, que pode ser tratada com medicações comuns (e, por vezes, o próprio anestesista pode usar uma medicação, nas aplicações seguintes, para prevenir as dores).


Imagem: Aparelho de eletroconvulsoterapia  AntaresGreen [CC BY-SA (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)]