Quais as intervenções possíveis para tratar os sintomas do TEA?
1. Esta postagem está em desenvolvimento e, nos próximos dias, mais tratamentos serão acrescentados.
2. A leitura destes tópicos não substitui a leitura crítica dos artigos originais citados - sobretudo no caso de profissionais de saúde que usem este texto como fonte de informação.
3. As conclusões de cada tópico estão realçadas, no texto, para facilitar a consulta.
4. Comentários e sugestões são bem vindos, no Blog.
MEDICAMENTOS E SUPLEMENTOS ALIMENTARES
Numa meta-análise em rede envolvendo 125 pesquisas aleatorizadas e controladas (RCT = randomized controlled trial) em crianças e adolescentes e 18 RCT em adultos, concluiu-se que as seguintes medicações poderiam vir a ser úteis (comparados a placebo), no controle de pelo menos um sintoma nuclear: aripiprazol, atomoxetina, bumetanida e risperidona, em crianças e adolescentes e fluoxetina, fluvoxamina, oxitocina e risperidona, em adultos. Apesar de alguns indícios de melhoras com carnosina, haloperidol, ácido folínico, guanfacina, ácidos graxos ômega-3, probióticos, sulforafano, tideglusibe e valproato, estes últimos resultados foram imprecisos e sem robustez. PARA TODAS AS SUBSTÂNCIAS REVISADAS NESTA META-ANÁLISE, A CONFIANÇA (UM ÍNDICE DA CONFIABILIDADE DOS RESULTADOS PARA ESTE TIPO DE META-ANÁLISE) FOI MUITO BAIXA OU BAIXA, À EXCEÇÃO DA OCITOCINA, PARA A QUAL FOI MODERADA. Ou seja, NÃO há comprovação suficiente para o uso rotineiro destas medicações e suplementos (Siafis et al., 2022). Outras meta-análises, inclusive, não observaram efeitos significativos da ocitocina nos sintomas do TEA (Martins et al., 2022).
ABA ("APPLIED BEHAVIOR ANALYSIS") - ANÁLISE COMPORTAMENTAL APLICADA
A análise comportamental aplicada (ABA) é um dos tratamentos mais tradicionais para os sintomas do TEA. O funcionamento segue as bases da terapia comportamental, identificando os gatilhos dos comportamentos-alvo (estímulos discriminativos) e as consequências que mantêm a presença do comportamentos-alvo (reforçadores). Comportamentos-alvo são os tanto comportamentos que se quer extinguir ou, pelo menos, diminuir sua frequência (como, por exemplo, acessos de raiva ou recorrer a estereotipias, em situações de estresse) quanto aqueles que se quer manter, aumentar ou modelar (por exemplo, ensinar a pessoa atividades de higiene e a comer de forma variada e saudável (naqueles que, rigidamente, querem consumir somente um número limitado de alimentos). Há vários estudos demonstrando o funcionamento da ABA (e.g. Eckes et al., 2023), porém há pesquisas que sugerem que o tratamento depende de características prévias dos pacientes (i.e., comportamentos que apresentavam antes do tratamento) e, portanto as técnicas devem ser individualizadas (Cerasuolo et al., 2022).
TERAPIAS ALTERNATIVAS
EQUOTERAPIA
Revisões sistemáticas das pesquisas sobre este tipo de tratamento ou não encontraram eficácia ou detectaram melhoras em alguns aspectos (por exemplo na cognição social, comunicação, irritabilidade e hiperatividade) mas não em outros (consciência social, maneirismos, motivação, letargia, estereotipias e fala inadequada). Os estudos, conduzidos com pequeno número de indivíduos, são muito heterogêneos quanto à forma de tratamento (e sem medidas adequadas para mensurar os resultados), além de não terem comparação com outros tratamentos, com placebo ou com evolução natural, NÃO PERMITEM CONCLUSÕES DEFINITIVAS (e.g. Ningkun et al., 2023; Sissons et al., 2022; Trzmiel et al., 2018 )
PROBIÓTICOS
Fala-se muito, principalmente nos meios não especializados, sobre as relações entre o trato gastrointestinal e vários transtornos psiquiátricos e isto inclui o uso de probióticos em seu tratamento. O fato é que, apesar de algumas evidências, OS RESULTADOS SÃO, AINDA, INSUFICIENTES PARA SE RECOMENDAR ESTE TIPO DE ABORDAGEM (Xiao et al., 2023; Siafis et al., 2022), inclusive para autistas.
DIETA SEM GLÚTEN E CASEÍNA
Crianças autistas têm uma incidência aumentada de problemas gastrintestinais (McElharon et al., 2014) e alguns pais consideram que seus filhos sejam alérgicos aos componentes glúten (proteína encontrada no trigo e outros cereais) e caseína (proteína encontrada no leite). Com base nisto, alguns propuseram uma dieta livre de glúten e caseína, como tentativa de melhorar as manifestações do autismo. Entretanto, REVISÕES SISTEMÁTICAS SOBRE A QUESTÃO NÃO ENCONTRARAM EVIDÊNCIAS DE QUE ESTA DIETA SEJA ÚTIL - AO CONTRÁRIO, PODERIA LEVAR À FALTA DE NUTRIENTES ESSENCIAIS (Keller et al., 2021)
TRANSPLANTE DE MICROBIOTA FECAL
A ideia do transplante de microbiota fecal surgiu com base na observação de uma frequência acima da média de distúrbios gastrintestinais, em pessoas com TEA e alguns estudos detectaram diferenças na flora intestinal, que poderiam estar associados a estes distúrbios. Entretanto, esta observação não permite concluir que eles tenham um efeito causal ou sejam consequência do transtorno (por exemplo, dos hábitos alimentares rígidos) e OS ESTUDOS ENVOLVENDO O PROCEDIMENTO, COMO TENTATIVA DE MELHORAR OS SINTOMAS, NÃO PERMITEM CONCLUSÕES DEFINITIVAS, por serem muito heterogêneos, não terem um número suficiente de pacientes envolvidos e outras deficiências metodológicas (He et al., 2023).
ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA (EMT)
A estimulação magnética transcraniana consiste da aplicação de um campo magnético ao cérebro (como um todo ou em regiões específicas). Como aos campos magnéticos correspondem campos elétricos, acredita-se que o surgimento de correntes elétricas, no cérebro, levaria a alterações na neurotransmissão, que poderiam levar a melhora de transtornos psiquiátricos. A ideia se baseou na eficácia da eletroconvulsoterapia, onde se aplicam correntes elétricas no cérebro, através de sua passagem através do crânio. A EMT se mostrou eficaz em depressões, sobretudo se combinada a medicações antidepressivas. Numa meta-análise (Smith et al., 2023), observou-se efeitos positivos sobre sintomas de hiperatividade, irritabilidade, letargia/retraimento social, comportamentos compulsivos, comportamentos ritualísticos/resistência a mudanças ("sameness behavior") e comportamentos estereotipados. Entretanto, por questões metodológicas, os autores referem que ainda há necessidade de estudos melhores para que se possa recomendar a EMT como tratamento para TEA.
CANABINOIDES
A maconha (Cannabis) contem cerca de 500 substâncias diferentes, das quais cerca de 100 são canabinoides. As mais conhecidas são o tetra-hidro-canabinol (THC), seu derivado canabinol (CBN) e o canabidiol (CBD), mas também outras têm sido estudadas no tratamento potencial de transtornos psiquiátricos como, por exemplo, a canabidivarina, (CBDV), uma substância análoga do canabidiol, mas com uma cadeia lateral mais curta. A proposta de uso destas substâncias como tratamento para as mais diversas doenças tem sido muito propagado e, infelizmente, muitas vezes de modo que a ciência não justifica. Sendo psiquiatra, frequentemente se é convidado para palestras sobre os benefícios da "maconha medicinal" e do canabidiol. De 17 referências, na plataforma Pubmed, nos últimos 5 anos, contendo usando como procura os termos "cannabis" e "autism" revisões sistemáticas sobre os eventuais benefícios destas drogas no TEA, 14 abordam se referem a estudos e são unânimes na conclusão de que, apesar de alguns benefícios potenciais, AINDA NÃO HÁ COMPROVAÇÃO SUFICIENTE, ATRAVÉS DE PESQUISAS COM METODOLOGIA SUFICIENTEMENTE BOA, DE QUE CANNABIS OU DERIVADOS DE CANNABIS SEJAM BENÉFICOS NO TRATAMENTO DO TEA.
Referências
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He et al. Effects of probiotics on autism spectrum disorder in children: a systematic review and meta-analysis Nutrients. 2023 Mar 15;15(6):1415. doi: 10.3390/nu15061415. PMID: 36986145
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Keller A et al. The Effect of a Combined Gluten- and Casein-Free Diet on Children and Adolescents with Autism Spectrum Disorders: A Systematic Review and Meta-Analysis Nutrients. 2021 Jan 30;13(2):470. doi: 10.3390/nu13020470. PMID: 33573238 PMCID: PMC7912271 DOI: 10.3390/nu13020470
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Imagem: Autistic boy receiving ABA therapy autora: Kate Blais for U.S. Air Force., domínio público, via Wikimedia Commons