segunda-feira, 22 de setembro de 2025

O QUE É PSIQUIATRIA TRANSDIAGNÓSTICA?



O diagnóstico psiquiátrico convencional, atualmente, baseia-se principalmente em critérios, que aparecem nas últimas edições do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana (DSM, em sua quinta versão revisada, atualmente) e no Código Internacional de Doenças (OMS, em sua décima-primeira edição, atualmente). Estas categorias diagnósticas teriam vários aspectos positivos, tais como uma linguagem comum entre os pesquisadores e uma classificação que permite dar diagnósticos aps pacientes, tirando de sobre eles julgamentos sociais do tipo "doença mental é fraqueza". No entanto, segundo alguns autores, esta categorização também pode ser a causa de uma estagnação dos resultados em psiquiatria, há alguns anos. Estes autores, partindo do principio de que as atuais categorias não correspondem a mecanismos causais específicos (uma única categoria pode abranger vários supostos mecanismos causais, enquanto que várias categorias apresentam pontos em comum, quando se investiga as causas e mecanismos de diversos transtornos), propõem uma nova forma de pesquisar em Psiquiatria, os RDoC (abreviação para Research Domain Criteria). A proposta tem como objetivo investigar a origem dos sintomas psiquiátricos, utilizando como ponto de partida o que já se sabe deles, em termos de psicofisiologia, genética e o contexto no qual os sintomas se desenvolveram, dado que os transtornos psiquiátricos provêm de uma combinação destes fatores. (internos e externos) 

Ao contrário do que ocorre com as categorias tradicionais, nas quais os sintomas estão "presentes" ou "ausentes",  sendo no máximo classificados como "leves", "moderados" ou "graves", na população eles são melhor descritos como se distribuindo ao longo de uma linha contínua. A categorização levaria, segundo os proponentes do RDoC, a uma perda da riqueza diagnóstica, além do que algumas pessoas não se encaixam em nenhuma das categorias. Também, existe uma enorme presença de comorbidades, que é a ocorrência de mais de um diagnóstico na mesma pessoa - esta presença tão frequente poderia advir de a categorização ser um processo artificial e não ser devido a uma real distinção entre diversos sintomas. (N.A.: por exemplo, por este raciocínio, a presença simultânea de um episódio depressivo maior e de um transtorno de ansiedade generalizada poderia não ser devida a duas causas - uma para a depressão e outra para a ansiedade - mas, sim um único mecanismo seria responsável por uma simultaneidade de sintomas ansiosos e depressivos). Por outro lado, como os diagnósticos são feitos através do preenchimento de um número mínimo de critérios, mas para cada diagnóstico existem vários critérios possíveis, pode ocorrer que diagnósticos iguais tenham mecanismos causais diferentes. por exemplo, no diagnóstico da depressão, uma grande heterogeneidade caracteriza os vários sistemas diagnósticos desenvolvidos no século passado, de modo que é possível que algumas listas de critérios sejam abrangentes demais e outras, demasiadamente restritivas. Outro problema apontado é a alta frequência com que, ao longo da vida, os indivíduos mudam de diagnóstico, o que pode ser consequência da confiança excessiva em diagnósticos transversais, capturando apenas um instantâneo do quadro e não as oscilações, aparecimento e desaparecimento de sintomas, ao longo da vida.

Ainda em relação às categorias diagnósticas usuais, um dos seus objetivos seria facilitar a prescrição de tratamentos. No entanto, quando se faz um diagnóstico, frequentemente sintomas que não entram nos critérios acabam não sendo tratados ou, quando o são, o tratamento é feito através de uma adaptação individualizada de intervenções.

A ALTERNATIVA TRANSDIAGNÓSTICA

O modelo da Taxonomia Hierárquica da Psicopatologia (HiTOP, Hierarchic Taxonomy of Psychopatology) surgiu como um esforço de pesquisa para abordar esses problemas. Ele constrói síndromes psicopatológicas e seus componentes/subtipos com base na covariação observada de sintomas, agrupando sintomas relacionados e, assim, reduzindo a heterogeneidade. Também combina síndromes concomitantes em espectros, mapeando assim as comorbidades. Além disto, caracteriza estes fenômenos dimensionalmente, o que leva em conta problemas de limites e da instabilidade diagnóstica (Kotov et al., 2017; Kotov et al., 2021).

Na imagem do início do texto, aparecem as sobreposições de sintomas do grupo agressivo-impulsivo-reativo,  entre Intermittent Explosive Disorder (= IED, Transtorno explosivo intermitente), Conduct Disorder (= CD, Transtorno de conduta), Disruptive Mood Dysregulation Disorder (= DMDD, Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor) e (Hypo)manic Episode (= HE, Episódio (hipo)maníaco). Conforme comentado, acima, a presença de sintomas semelhantes em diagnósticos distintos é um dos problemas da nosologia categórica convencional, que a abordagem transdiagnóstica procura superar, isolando sintomas com base em evidências das neurociências, da psicologia e da psicossociologia.

Em princípio, o objetivo da psiquiatria transdiagnóstica é descobrir as categorias naturais que constituem a base para os sintomas psiquiátricos que configuram as queixas dos pacientes e as observações dos psiquiatras e psicólogos. Entretanto, muito do que se tem feito se restringe à confirmação de descobertas pré-existentes e à investigação de sintomas (e suas combinações) das classificações categoriais tradicionais (Fusar-Poli et al., 2019).

Outro aspecto importante é que a psiquiatria transdiagnóstica é uma linha de pesquisas em desenvolvimento, de modo que não há diretrizes suficientemente comprovadas - e aprovadas - para a utilização rotineira de suas descobertas, no tratamento psiquiátrico.


Imagem: Superposição de critérios para comportamento agressivo-impulsivo-reativo (AIR) By Eyoungstrom - Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=112285313

Referências bibliográficas

Dagleish J et al.   Transdiagnostic Approaches to Mental Health Problems    Journal of Consulting and Clinical Psychology 2020 Vol. 88, No. 3, 179–195 http://dx.doi.org/10.1037/ccp0000482 

Fusar-Poli P et al.   Transdiagnostic psychiatry: a systematic review   World Psychiatry. 2019 Jun;18(2):192-207. doi: 10.1002/wps.20631. PMID: 31059629 PMCID: PMC6502428 DOI: 10.1002/wps.20631

Kotov R et al. (2017). The Hierarchical Taxonomy of Psychopathology (HiTOP): A dimensional alternative to traditional nosologies. J  Abnormal Psychol, 126(4), 454–477  https://doi.org/10.1037/abn0000258

Kotov R et al.   The Hierarchical Taxonomy of Psychopathology (HiTOP): A Quantitative Nosology Based on Consensus of Evidence    Annual Review of Clinical Psychology, 2021 Vol. 17:83-108 (Volume publication date May 2021) https://doi.org/10.1146/annurev-clinpsy-081219-093304


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