sexta-feira, 26 de setembro de 2025

CANNABIS (MACONHA) MEDICINAL FUNCIONA?



Certamente, um do assuntos mais comentados, atualmente, é a questão do uso medicinal da maconha (Cannabis). O que se tem de comprovado sobre sua utilidade?

Primeiramente, é necessário lembrar que eventuais usos sugeridos ou que possam ser sugeridos, no futuro, se referem habitualmente às substâncias contidas na maconha (mais de 120 diferentes foram identificadas) ou dela derivadas e não ao uso da maconha em sua forma natural. Portanto, dizer que "canabinoides" (o nome destas substâncias) são (eventualmente) úteis, não significa, de forma nenhuma, que se recomenda o consumo de maconha do modo como as pessoas consomem recreativamente. 

Transtornos de ansiedade e depressão: numa meta-analise de 8 estudos, envolvendo um total de 316 pacientes, observou-se melhora significativa de sintomas ansiosos com canabidiol (CBD), sugerindo sua utilidade em pacientes com transtorno de ansiedade generalizada, ansiedade social e transtorno de estresse pós-traumático. Porém, os autores fazem um alerta contra conclusões precoces, dado ao tamanho limitado da amostra clínica, recomendando que mais pesquisas sejam feitas (Han et al., 2024). Outra revisão sistemática (Cammà et al.,  2024), os autores encontraram alguns resultados positivos para o uso de canabinoides na depressão, ansiedade e transtorno de uso de nicotina ("tabagismo"). Porém, sugerem que os resultados devem servir de estímulo para mais pesquisas e não que já comprovem a eficácia - até porque analisaram vinte e dois estudos pré-clínicos e apenas um estudo clínico (em pacientes humanos). Numa revisão sistemática sobre transtornos ansiosos, foi observada melhora para transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de ansiedade social (TAS) e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT); 30% destes estudos (n = 4) relataram um resultado negativo para condições como transtorno obsessivo-compulsivo, tricotilomania, ansiedade de teste e TAS (Roberts et al., 2025). Também nesta última revisão são comentados insuficiências ou falhas metodológicas nos estudos revistos, de modo que, também neste caso, recomenda-se mais pesquisas para confirmação dos efeitos (portanto, não sugerindo, ainda, indicação no tratamento).

Tratamento de quadros demenciais: as demências - ou transtorno neurocognitivo maior - são quadros caracterizados por declínio cognitivo progressivo (sobretudo memória, mas também em outros domínios), levando a progressiva perda da capacidade de o indivíduo dar conta de sua vida cotidiana (finanças, compromissos ou mesmo higiene). Pode ter várias causas, sendo as mais frequentes a doença de Alzheimer, a vascular e a mista (que combina ambas). Numa meta-análise de 2021, não se conseguiram demonstrar efeitos benéficos (ou prejudiciais) do delta-9-THC (natural) ou do dronabinol ou nabilona, em 126 pacientes predominantemente com Alzheimer, com uma minoria com quadros vasculares ou mistos (Kuharic et al., 2021).

Diminuição da necessidade de opioides, no tratamento da dor crônica: o uso prolongado de opioides, um dos tratamentos mais eficazes para dores, pode levar a tolerância (perda da eficácia, se as doses forem mantidas) e mesmo a dependência. Assim, são sempre feitas pesquisas sobre opções alternativas no tratamento da dor crônica, para diminuir a necessidade de opioides. Apesar de algumas evidências positivas, ainda não há evidências suficientes que comprovem a eficácia do uso da Cannabis medicinal ou de seus derivados, para diminuir a necessidade de opioides (Noori et al., 2021).

Finalmente, numa meta-análise de 152 estudos, envolvendo 12123 pacientes e todas as indicações médicas que consideraram relevantes, constatou-se que os efeitos terapêuticos significativos dos canabinoides medicinais apresentam uma grande variabilidade no grau de evidência, que depende do tipo de canabinoide. O CBD tem um efeito terapêutico significativo para epilepsia (grau alto de evidência) e parkinsonismo (grau moderado de evidências). Há evidências moderadas também para para o dronabinol, para dor crônica, aumento do apetite e síndrome de Tourette e evidências moderadas para nabiximol, na dor crônica, espasticidade, sono e transtornos de uso de substâncias. Todos os outros efeitos terapêuticos significativos têm baixo, muito baixo ou mesmo nenhum grau de evidência (Bilbao; Spanagel, 2022).



Referências bibliográficas


Bilbao A; Spanagel. Medical cannabinoids: a pharmacology-based systematic review and meta-analysis for all relevant medical indications BMC Med . 2022 Aug 19;20(1):259. doi: 10.1186/s12916-022-02459-1. PMID: 35982439 PMCID: PMC9389720 DOI: 10.1186/s12916-022-02459-1

Cammà G et al.   Therapeutic potential of minor cannabinoids in psychiatric disorders: A systematic review  Eur Neuropsychopharmacol. 2025 Feb:91:9-24. doi: 10.1016/j.euroneuro.2024.10.006. Epub 2024 Nov 13. PMID: 39541799 DOI: 10.1016/j.euroneuro.2024.10.006

Han K et al. Therapeutic potential of cannabidiol (CBD) in anxiety disorders: A systematic review and meta-analysis Psychiatry Res . 2024 Sep:339:116049. doi: 10.1016/j.psychres.2024.116049. Epub 2024 Jun 21  PMID: 38924898 DOI: 10.1016/j.psychres.2024.116049

Kuharic DB et al. Cannabinoids for the treatment of dementia PMID: 34532852 PMCID: PMC8446835 DOI: 10.1002/14651858.CD012820.pub2 Cochrane Database Syst Rev. 2021 Sep 17;9(9):CD012820. doi: 10.1002/14651858.CD012820.pub2.

Noori A   Opioid-sparing effects of medical cannabis or cannabinoids for chronic pain: a systematic review and meta-analysis of randomised and observational studies  BMJ Open. 2021 Jul 28;11(7):e047717. doi: 10.1136/bmjopen-2020-047717.  PMID: 34321302 PMCID: PMC8319983 DOI: 10.1136/bmjopen-2020-047717

Roberts L et al.  Medicinal cannabis in the management of anxiety disorders: A systematic review  Psychiatry Res. 2025 Aug:350:116552. doi: 10.1016/j.psychres.2025.116552. Epub 2025 May 17.  PMID: 40413923 DOI: 10.1016/j.psychres.2025.116552  


Imagem: Medical Cannabis  By Silar - Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=51520858

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