Blog de Dr Ivan Mario Braun, psiquiatra e psicoterapeuta, com informações e curiosidades atuais sobre Psiquiatria, Psicologia e Comportamento.
sexta-feira, 31 de janeiro de 2020
PSIQUIATRA, PSICÓLOGO, PSICOTERAPEUTA OU PSICANALISTA?
Não é raro que pessoas perguntem, na internet, qual destes profissionais devem procurar. Mesmo aquelas que já iniciaram o tratamento, por vezes, não sabem como classificar o(a) profissional que as está atendendo.
De modo simplificado, as categorias são as seguintes:
PSIQUIATRAS são médicos (portanto fizeram seis anos de faculdade de Medicina) que se especializaram na área de transtornos mentais, através de treinamento em regime de residência ou através de estágios de especialização, num período de dois a quatro anos. Ou seja, um psiquiatra demora algo entre oito a dez anos para se formar. O aprendizado obrigatório para o psiquiatra é saber diagnosticar os diversos transtornos psiquiátricos (por exemplo, depressões, transtorno bipolar, TOC, transtornos de ansiedade, esquizofrenia). Ao psiquiatra é permitido prescrever medicações, pois teve formação em farmacologia, a disciplina que ensina a ação das várias medicações.
PSICÓLOGOS são profissionais formados em faculdades de Psicologia, geralmente com duração de cinco anos. Uma vez formados, podem se dedicar a várias atividades, geralmente ensino e pesquisa ou Psicologia Clínica. São os que exercem Psicologia Clínica que também tratam pacientes com transtornos mentais. Não podem prescrever medicações, mas sabem fazer intervenções muito importantes, na forma de psicoterapias.
PSICOTERAPEUTAS são todos os profissionais (quase sempre psiquiatras ou psicólogos) que tratam pessoas através de psicoterapias. Psicoterapias são intervenções que procuram, através da comunicação, ajudar as pessoas a resolver seus problemas emocionais e comportamentais. Esta comunicação ocorre principalmente através da fala: o(a) paciente traz os problemas que o(a) incomodam, o psicoterapeuta analisa estes problemas e, juntos, procuram resolvê-los. A psicoterapia, muitas vezes, também leva a um melhor auto-conhecimento. Há muitas linhas de psicoterapia como, por exemplo, terapia comportamental, terapia cognitivo-comportamental, terapia de aceitação e compromisso, psicologia analítica, psicodrama e psicanálise.
PSICANALISTAS são os psicoterapeutas que se especializaram em psicoterapias baseadas nas ideias de Freud sobre as motivações inconscientes dos comportamentos, as quais se tenta descobrir e, através deste auto-conhecimento, melhorar a qualidade de vida do(a) cliente.
Na postagem de amanhã, vou falar um pouco sobre alguns tipos de psicoterapia.
Imagem, no início da postagem: Cérebro com esquematização (em vermelho) do sistema límbico, relacionado às emoções. By Nathanael Bar-Aur L. - adaptation of Brain limbicsystem.jpg without labels, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=11903367
quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
POR QUE A DEPRESSÃO FAZ SOFRER? (2)
Pessoas com depressão grave perdem o prazer em fazer tudo ou
quase tudo de que gostavam, antes de depressão. Pessoas que gostavam de
encontrar amigos, não querem mais; as que gostavam de ler, não sentem mais
prazer na leitura; as que “curtiam” cinema, perdem o interesse pelos filmes: e
assim por diante. Além da perda do prazer, um desânimo, uma dificuldade para
dar início às suas atividades também é uma queixa frequente.
Panksepp, com base em suas pesquisas, aventou a hipótese de
que dois dos sete sistemas afetivos (veja na postagem anterior) seriam os mais
prováveis e importantes candidatos como causa do sofrimento, na depressão
(apesar de que VÁRIOS sistemas podem ser afetados): o sistema de PÂNICO/LUTO e
o sistema de PROCURA. O sistema de PÂNICO/LUTO (ou simplesmente sistema de
LUTO) seria muito sensível a perdas sociais (de entes queridos) o que,
sabidamente, pode ser desencadeante de quadros depressivos. Também problemas no
vínculo do filhote com a mãe podem predispor: as pesquisas eticamente lamentáveis
de separação de filhotes de macaco de suas mães e estudos de estimulação elétrica
destes sistemas em cobaias são alguns dos embasamentos desta hipótese. Por sua
vez, a diminuição da atividade neste sistema poderia, segundo experimentos,
desencadear uma diminuição da atividade do sistema de PROCURA, o que traria o
desânimo e aumentaria o sofrimento. Com base neste modelo, também estaria
explicado por que substâncias estimulantes têm efeito antidepressivo. Além disto,
possivelmente, os antidepressivos têm como um dos mecanismos de ação o aumento
da atividade do sistema de PROCURA como ocorre, por exemplo, em outro experimento
eticamente condenável: pôr ratinhos a nadar numa “piscina” e, cada vez que se
aproximam da borda, são jogados de volta na água. Após muitas tentativas, os
ratinhos desistem e, se não forem retirados, morrem afogados. O uso de antidepressivos
aumenta significativamente o número de vezes em que os ratinhos continuarão
tentando atingir a borda.
Ilustração: o resultado cruel de separar filhotes de macaco de suas mães. O filhote fica intensamente deprimido e se apega a um bicho de pelúcia. Filhotes chegavam a deixar de comer, se tivessem a opção de escolher um alimentador ou algo peludo a que se pudessem apegar. Estes experimentos foram feitos por Harry Harlow, pesquisador americano, na década de 50 e ainda hoje, há laboratórios que os fazem.
Referências:
Arling GL, Harlow HF.
Effects of social deprivation on maternal behavior of rhesus monkeys.
Comp Physiol Psychol. 1967 Dec;64(3):371-7. No abstract available.
Herman BH, Panksepp J.
Ascending endorphin inhibition of distress vocalization. Science. 1981
Mar 6;211(4486):1060-2
Panksepp J Affective
neuroscience of the emotional BrainMind: evolutionary perspectives and
implications for understanding depression.
Dialogues Clin Neurosci 2010. PMID 21319497 Free PMC
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3181986/pdf/DialoguesClinNeurosci-12-533.pdf
(acessado em 28/01/2020)
Panksepp J, Biven L
The archaeology of mind - neuroevolutionary origins of human emotions.
Norton series on interpersonal neurobiology (2012) - kindle edition (2020)
Simbi CMC, Zhang Y, Wang Z.
Early parental loss in childhood and depression in adults: A systematic
review and meta-analysis of case-controlled studies. J Affect Disord. 2020 Jan 1;260:272-280. doi:
10.1016/j.jad.2019.07.087. Epub 2019 Jul 30. Review. PMID: 31521863
Thiébot MH, Martin P, Puech AJ. Animal behavioural studies in the evaluation
of antidepressant drugs. Br J Psychiatry Suppl. 1992 Feb;(15):44-50. Review
terça-feira, 28 de janeiro de 2020
POR QUE A DEPRESSÃO FAZ SOFRER? (1)
Ninguém sabe, ainda, quais são as causas exatas da depressão. Assim, há vários modelos que tentam explicar o que ocorre que leva a pessoa a ficar deprimida. Um dos modelos mais interessantes é o desenvolvido por Jaak Panksepp, um neurocientista de origem estoniana. Com base, principalmente, em estudos com animais (mas, também utilizando dados de seres humanos), Panksepp postulou a existência de sete sistemas relacionados à emoção, tanto no ser humano quanto em outros mamíferos (e aves também apresentam várias semelhanças). Os sistemas (traduzindo do inglês) seriam: PROCURA, RAIVA, MEDO, PRAZER, CUIDADOS, LUTO e LÚDICO. O sistema de procura é ativado quando há sinais de que "vale a pena" se aproximar de algo importante. Por exemplo, a visão de alimento pode acioná-lo e fazer o indivíduo movimentar-se na direção do alimento e ter todos os comportamentos que findam quando a pessoa consegue se alimentar. O sistema de RAIVA é acionado quando há restrição de movimentos ou frustração. MEDO é acionado quando há sinais de perigo. PRAZER é acionado ao final de atividades desencadeadas pelo sistema de PROCURA e bem sucedidas. Por exemplo, quando a pessoa está mastigando o alimento ou quando realiza ato sexual. O sistema de CUIDADOS é o que mantém a mãe (animais e humanos) cuidando dos filhotes. Ele possivelmente está envolvido também na nossa capacidade de cuidar uns dos outros. O sistema de LUTO é ativado por perdas importantes, como a perda de pessoas queridas, como exemplo. E, finalmente, o sistema LÚDICO é ativado, por exemplo, quando o filhote (ou a criança) está brincando.
Na postagem de amanhã vamos ver como é possível que o comprometimento destes sistemas leve ao sofrimento da depressão.
Imagem: Representação esquemática do cérebro. O sistema límbico (amarelo) é o mais diretamente relacionado às emoções.
Referências:
Panksepp J Affective neuroscience of the emotional BrainMind: evolutionary perspectives and implications for understanding depression. Dialogues Clin Neurosci 2010. PMID 21319497 Free PMC https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3181986/pdf/DialoguesClinNeurosci-12-533.pdf (acessado em 28/01/2020)
Panksepp J, Biven L The archaeology of mind - neuroevolutionary origins of human emotions. Norton series on interpersonal neurobiology (2012) - kindle edition (2020)
Imagem: Hunhori The triune brain https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a8/Triune_brain.png
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
DEPRESSÃO RESISTENTE AO TRATAMENTO
Atualmente, quando se inicia um tratamento antidepressivo, existem algumas medicações consideradas de primeira linha, por oferecerem bons resultados, associados a relativamente poucos efeitos colaterais. Os mais usados são os inibidores seletivos de recaptura de serotonina (ISRS), mas também há outros que podem ser usados, com mecanismos diferente de ação como, por exemplo, a bupropiona, que atua sobre a dopamina e a noradrenalina. Entretanto, por volta de 40% (as estatísticas variam um pouco) dos casos de depressão não respondem ao primeiro tratamento usado. Para estas pessoas, existe uma série de opções, tais como associação de vários antidepressivos, uso de antidepressivos duais (que atuam sobre mais de um tipo de neurotransmissor) e associação com estabilizadores de humor. Existem também possibilidades menos comprovadas, quando em uso isolado, porém que podem ser associadas ao antidepressivo, sendo o principal exemplo a estimulação magnética transcraniana (EMT). O uso da esquetamina consiste da aplicação endovenosa desta substância o que, em alguns casos, pode trazer uma melhora quase imediata. Para os casos mais graves, finalmente, há muito tempo são comprovados os antidepressivos tricíclicos, os inibidores de monoamino-oxidase e a eletroconvulsoterapia (ECT). Na ECT, aplica-se uma corrente elétrica de, no máximo, poucos segundos ao crânio do paciente, o que leva a alterações cerebrais semelhantes às causadas pelas medicações. Há muito preconceito contra a ECT, mas ela é um tratamento moderno e seguro, feito sob anestesia e cuidadoso controle de todos os parâmetros antes, durante e após a aplicação: eletrocardiograma, oximetria, eletroencefalograma, pressão arterial e frequência cardíaca. Seus principais efeitos colaterais são dificuldades de memória, que geralmente desaparecem no dia seguinte ao da aplicação e dor de cabeça, que pode ser tratada com medicações comuns (e, por vezes, o próprio anestesista pode usar uma medicação, nas aplicações seguintes, para prevenir as dores).
Imagem: Aparelho de eletroconvulsoterapia AntaresGreen [CC BY-SA (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)]
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