A Associação Psicológica Americana define
psicoterapia como “qualquer serviço psicológico prestado por um profissional
treinado que utiliza principalmente formas de comunicação e interação para
avaliar, diagnosticar e tratar reações emocionais, formas de pensar e padrões
de comportamento disfuncionais”.1
O que seriam estas “reações emocionais, formas
de pensar e padrões de comportamento disfuncionais”? São reações que trazem
sofrimento ou levam a outros prejuízos na vida da pessoa. Por exemplo, o luto
relacionado à perda de um ente querido traz sofrimento. Por outro lado, se uma
pessoa abusa de bebidas alcoólicas, pode até não apresentar sofrimento (pelo
menos, num primeiro momento, contanto que não seja impedida de beber), porém as
consequências do uso podem levar a problemas de saúde, profissionais e familiares.
Portanto, este comportamento é disfuncional, apesar de não levar,
necessariamente, a um sofrimento imediato. Um a pessoa que esteja num episódio
maníaco, sentindo-se superpoderosa e ultrarrica, com a sexualidade exacerbada e
gastando dinheiro de modo incompatível com suas reais condições financeiras,
também pode não estar sofrendo, porém seus comportamentos, juntamente com sua
incapacidade de perceber o quanto está alterada, traz consequências que lhe
trarão, futuramente, sofrimento.
No primeiro exemplo acima, da pessoa em luto, o
atendimento psicoterápico pode ajudar a pessoa num processo de aceitação
progressiva e reconstrução da sua vida e relacionamentos, saindo de um
sofrimento muitas vezes paralisante. No caso da pessoa que tem um transtorno de
uso de álcool, também, uma psicoterapia com professional com conhecimento
especializado nessa área pode ajudá-la a compreender melhor os fatores e
contextos correlacionados ao seu uso disfuncional e, assim, aos poucos,
aprender a controlar-se2 de modo mais eficaz. Finalmente, no
terceiro exemplo, a psicoterapia não costuma ser muito útil, enquanto o(a)
paciente estiver em crise, pois as alterações do funcionamento cerebral são tão
profundas, num caso desses, que impedem que as técnicas psicoterápicas levem a
alterações suficientemente abrangentes e duradouras.
No que se refere ao tratamento medicamentoso, numa
situação de luto por perda de um ente querido, geralmente não há indicação de
uso de medicação, pois se trata de uma reação normal, apesar de, em algumas
pessoas, poder ser mais prolongada e profunda que em outras. No segundo
exemplo, do transtorno de uso de álcool, além da psicoterapia, existem pelo
menos três medicações que podem diminuir os riscos de recaída (acamprosato, dissulfiram
e naltrexona) e, portanto, a associação de medicamentos com a psicoterapia é
recomendada. No último exemplo, o caso do episódio maníaco, ele deve
obrigatoriamente ser tratado com medicação, pois os medicamentos podem ajudar a
diminuir a intensidade dos sintomas já a partir do início do uso e, com o uso
continuado, podem diminuir a duração da crise e, finalmente, prevenir recaídas.
POR QUE ESTAS DIFERENÇAS?
O cérebro pode apresentar problemas de
funcionamento detectáveis por métodos laboratoriais e de imagens e, nestes
casos, o tratamento geralmente fica a cargo dos neurologistas. Porém, há
alterações de seu funcionamento mais sutis, que não podem ser vistos através de
metodologia laboratorial convencional, mas que levam a alterações de
pensamentos, emoções e da interação com o ambiente. Este tipo de alterações,
geralmente, fica a cargo dos psiquiatras. Dentro do grupo destes transtornos,
alguns têm características mais biológicas (como o transtorno bipolar) e outros
têm características mais de aprendizados disfuncionais ou seja, a história de
vida e de interações da pessoa fez com que ela tivesse comportamentos (e
emoções e pensamentos) que a fazem sofrer – em outras palavras, a pessoa não
está conseguindo lidar com certas situações difíceis e isto lhe traz um intenso
sofrimento (como no exemplo do luto, acima). Finalmente, alguns transtornos têm
claros components biológicos (por exemplo, em algumas famílias pode haver uma
predisposição genética para o abuso de álcool), mas têm também aspectos
comportamentais muito relevantes (por exemplo, mesmo em famílias nas quais haja
uma propensão genética para o abuso de álcool, nem todas as pessoas terão o
transtorno). É neste casos que se indica tanto um tratamento medicamentoso,
visando à compensação da predisposição biológica quanto psicoterápica para
ajudar a pessoa a compreender seu próprio funcionamento e, com isto, aprender
novos comportamentos que lhe possibilitem enfrentar seu transtorno.
Desta forma, respondendo a pergunta inicial,
não se pode dizer que a psicoterapia seja melhor que os remédios ou estes sejam
melhores que a psicoterapia: a decisão vai depender do diagnóstico de cada
pessoa e, na maioria dos casos, ambos devem ser usados para se ter os melhores
resultados.
Referências bibliográficas
American Psychological Association (2023).
Psychotherapy. In APA dictionary of psychology
https://dictionary.apa.org/psychotherapy , acessado em 28/06/2024
Imagem: Mental health https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mental-health 2313428_640.png (acessado em 08/01/2025)
Notas
1. Traduzido pelo autor.
2. No caso, trata-se de controlar seu
comportamento, o que não significa tentar beber de forma controlada, pois em
muitos casos o objetivo do tratamento é que a pessoa consiga se abaster, dado
que nos casos mais graves a probabilidade de conseguir beber controladamente é
minima e, paradoxalmente, mais difícil de atingir que a abstinência.

Dr. Ivan,
ResponderExcluirSeu texto claro e objetivo, certamente ajudará aos leitores na compreensão dos critérios para a adoção de uma, outra ou ainda ambas as formas de terapia. Muito esclarecedor. Obrigado
Prezado Sr Neury, agradeço seus comentários e fique à vontade para sugerir temas em Psiquiatria ou Psicologia, para discutirmos aqui no Blog.
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