sábado, 8 de fevereiro de 2025

PSICOTERAPIA OU REMÉDIOS, O QUE É MELHOR?





A Associação Psicológica Americana define psicoterapia como “qualquer serviço psicológico prestado por um profissional treinado que utiliza principalmente formas de comunicação e interação para avaliar, diagnosticar e tratar reações emocionais, formas de pensar e padrões de comportamento disfuncionais”.1

O que seriam estas “reações emocionais, formas de pensar e padrões de comportamento disfuncionais”? São reações que trazem sofrimento ou levam a outros prejuízos na vida da pessoa. Por exemplo, o luto relacionado à perda de um ente querido traz sofrimento. Por outro lado, se uma pessoa abusa de bebidas alcoólicas, pode até não apresentar sofrimento (pelo menos, num primeiro momento, contanto que não seja impedida de beber), porém as consequências do uso podem levar a problemas de saúde, profissionais e familiares. Portanto, este comportamento é disfuncional, apesar de não levar, necessariamente, a um sofrimento imediato. Um a pessoa que esteja num episódio maníaco, sentindo-se superpoderosa e ultrarrica, com a sexualidade exacerbada e gastando dinheiro de modo incompatível com suas reais condições financeiras, também pode não estar sofrendo, porém seus comportamentos, juntamente com sua incapacidade de perceber o quanto está alterada, traz consequências que lhe trarão, futuramente, sofrimento.

No primeiro exemplo acima, da pessoa em luto, o atendimento psicoterápico pode ajudar a pessoa num processo de aceitação progressiva e reconstrução da sua vida e relacionamentos, saindo de um sofrimento muitas vezes paralisante. No caso da pessoa que tem um transtorno de uso de álcool, também, uma psicoterapia com professional com conhecimento especializado nessa área pode ajudá-la a compreender melhor os fatores e contextos correlacionados ao seu uso disfuncional e, assim, aos poucos, aprender a controlar-se2 de modo mais eficaz. Finalmente, no terceiro exemplo, a psicoterapia não costuma ser muito útil, enquanto o(a) paciente estiver em crise, pois as alterações do funcionamento cerebral são tão profundas, num caso desses, que impedem que as técnicas psicoterápicas levem a alterações suficientemente abrangentes e duradouras.

No que se refere ao tratamento medicamentoso, numa situação de luto por perda de um ente querido, geralmente não há indicação de uso de medicação, pois se trata de uma reação normal, apesar de, em algumas pessoas, poder ser mais prolongada e profunda que em outras. No segundo exemplo, do transtorno de uso de álcool, além da psicoterapia, existem pelo menos três medicações que podem diminuir os riscos de recaída (acamprosato, dissulfiram e naltrexona) e, portanto, a associação de medicamentos com a psicoterapia é recomendada. No último exemplo, o caso do episódio maníaco, ele deve obrigatoriamente ser tratado com medicação, pois os medicamentos podem ajudar a diminuir a intensidade dos sintomas já a partir do início do uso e, com o uso continuado, podem diminuir a duração da crise e, finalmente, prevenir recaídas.

POR QUE ESTAS DIFERENÇAS?

O cérebro pode apresentar problemas de funcionamento detectáveis por métodos laboratoriais e de imagens e, nestes casos, o tratamento geralmente fica a cargo dos neurologistas. Porém, há alterações de seu funcionamento mais sutis, que não podem ser vistos através de metodologia laboratorial convencional, mas que levam a alterações de pensamentos, emoções e da interação com o ambiente. Este tipo de alterações, geralmente, fica a cargo dos psiquiatras. Dentro do grupo destes transtornos, alguns têm características mais biológicas (como o transtorno bipolar) e outros têm características mais de aprendizados disfuncionais ou seja, a história de vida e de interações da pessoa fez com que ela tivesse comportamentos (e emoções e pensamentos) que a fazem sofrer – em outras palavras, a pessoa não está conseguindo lidar com certas situações difíceis e isto lhe traz um intenso sofrimento (como no exemplo do luto, acima). Finalmente, alguns transtornos têm claros components biológicos (por exemplo, em algumas famílias pode haver uma predisposição genética para o abuso de álcool), mas têm também aspectos comportamentais muito relevantes (por exemplo, mesmo em famílias nas quais haja uma propensão genética para o abuso de álcool, nem todas as pessoas terão o transtorno). É neste casos que se indica tanto um tratamento medicamentoso, visando à compensação da predisposição biológica quanto psicoterápica para ajudar a pessoa a compreender seu próprio funcionamento e, com isto, aprender novos comportamentos que lhe possibilitem enfrentar seu transtorno.

Desta forma, respondendo a pergunta inicial, não se pode dizer que a psicoterapia seja melhor que os remédios ou estes sejam melhores que a psicoterapia: a decisão vai depender do diagnóstico de cada pessoa e, na maioria dos casos, ambos devem ser usados para se ter os melhores resultados.

 

Referências bibliográficas

American Psychological Association (2023). Psychotherapy. In APA dictionary of psychology  https://dictionary.apa.org/psychotherapy , acessado em 28/06/2024


Imagem: Mental health  https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mental-health 2313428_640.png (acessado em 08/01/2025)

 

Notas

1. Traduzido pelo autor.

2. No caso, trata-se de controlar seu comportamento, o que não significa tentar beber de forma controlada, pois em muitos casos o objetivo do tratamento é que a pessoa consiga se abaster, dado que nos casos mais graves a probabilidade de conseguir beber controladamente é minima e, paradoxalmente, mais difícil de atingir que a abstinência.

2 comentários:

  1. Dr. Ivan,
    Seu texto claro e objetivo, certamente ajudará aos leitores na compreensão dos critérios para a adoção de uma, outra ou ainda ambas as formas de terapia. Muito esclarecedor. Obrigado

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    1. Prezado Sr Neury, agradeço seus comentários e fique à vontade para sugerir temas em Psiquiatria ou Psicologia, para discutirmos aqui no Blog.

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